segunda-feira, 27 de janeiro de 2014

Remissão Voluntária

Caro Senador,


Quem lhe escreve é o seu tumor. Passei um tempo no seu corpo, trabalhando, sem muito sucesso, lembra?

Escrevo essa carta porque saí sem me despedir e acho que fiquei lhe devendo explicações. Não se abandona a casa de um anfitrião assim, sem mais nem menos. Mesmo quando o anfitrião é uma pessoa péssima, como o senhor.

Como o senhor deve ter percebido, o período que passei aí dentro do seu corpo não foi uma época boa. Para ser bem sincero, a convivência com o senhor foi muito difícil. Não sou de falar mal de quem me recebe, mas acontece que o clima aí dentro é horroroso, o cheiro é fétido e seus órgãos são todos pessoas péssimas.

O fígado está desviando sangue do rim, que rouba o sangue do pulmão, que recita trechos do seu livro (aliás, que livro ruim, hein, senhor). O estômago não repassa os alimentos pro intestino, porque eles são inimigos políticos. O intestino nomeia parentes por meio de atos secretos. Resumindo: não há um órgão do senhor que se salve, do ponto de vista do caráter.

Fui à procura de partes que pudessem ser boa companhia. Seu coração existe, mas só bombeia sangue pros órgãos que ele tem afinidade. O cérebro estava ocupado com discursos parnasianos e poemas populistas (talvez fosse o contrário). Procurei, em vão, pelo sentimento de culpa. Nada. A vergonha também não estava na cara, nem em qualquer outro lugar. É verdade que não conferi na região retal, onde me disseram que o senhor guarda a ética.

Eu sei que o Brasil estava torcendo por mim. Mas nessas horas confesso que sou um tumor pouco profissional. Não sei agir sob pressão. Preciso de um bom ambiente para trabalhar.

Tenho colegas que não ligam para essas coisas. Mas eu não consigo exercer minha profissão quando o santo não bate. O meu trabalho exige uma certa identificação e empatia. E tem um tipo de gente com que eu prefiro não me misturar.

Pensei em me instalar na sua filha, já que ela estava sempre por perto. Mas, ao que parece, o mal é de família. Sou alérgico a lagostas, especialmente às superfaturadas. Prefiro a lixeira hospitalar.

Além do mais, logo percebi que não havia grande mal a ser feito, quando comparava com a sua obra. O que quer que eu fizesse com o senhor não seria pior do que o que o senhor fez com o Maranhão.

Gregorio Duvivier é ator e escritor. Também é um dos criadores do portal de humor Porta dos Fundos.

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